Reportagens da Nova Escola usadas no 3º Encontro

domingo, 14 de junho de 2009

Produzir texto sem escrever

Ao desempenhar o papel de escriba e pedir que os estudantes criem oralmente um texto, o docente trabalha o comportamento escritor, as diferenças entre a linguagem oral e a escrita e a importância de sempre revisar o que é produzido, individual ou coletivamente
Anderson Moço (novaescola@atleitor.com.br)
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PROFESSORA ESCRIBA Os alunos produzem um texto sobre os polos norte e sul, ditando as informações que pesquisaram em duplas. Foto: Marcos Rosa
Por anos, o ditado foi patrimônio do professor: um texto ou uma lista com o propósito de avaliar se a turma sabia escrever de acordo com as regras da ortografia. Isso mudou – tanto nos objetivos como na forma. Hoje, uma das quatro situações didáticas previstas pelos principais programas oficiais de alfabetização inicial é pedir que os alunos produzam textos oralmente para se perceberem capazes de escrever antes de estarem alfabetizados. Livres de questões relacionadas à grafia e ao sistema de representação, eles se concentram nos desafios da produção do texto: a definição do conteúdo, a adequação a um gênero e a organização da linguagem escrita. “É importante criar espaços para que as crianças usem a linguagem escrita antes de ler e escrever, pois o conhecimento do sistema alfabético não é pré-requisito para a produção de texto, ou seja, não é preciso saber grafar as letras para organizar as ideias tal como se escreve”, explica Silvana Augusto, formadora do Instituto Avisa Lá e professora do Instituto Superior de Ensino Vera Cruz, ambos em São Paulo. A criança que não sabe escrever de forma convencional está diante de uma situação-problema que permite a ela observar o desenvolvimento de seu processo de aprendizagem e da compreensão da linguagem escrita.
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Projetos Didáticos
Indicação literária
Reescrita de histórias conhecidas
Texto informativo sobre filhotes
A elaboração de um texto vai muito além do registro gráfico. Durante o ditado para o professor, os alunos comandam a produção do texto no conteúdo e na forma – por meio das leituras e releituras do que já foi escrito – e fazem adequações na produção: incluem pausas, ritmo e velocidade, repetem partes quando necessário e distinguem o que dizem para ser escrito do que dizem como interlocutores, mudando o tom de voz. O texto que será grafado pelo professor precisa ter uma função comunicativa definida (a produção de um bilhete, a recomendação de um livro lido etc.). Essa situação didática deve fazer parte da rotina da alfabetização inicial, contemplando diferentes gêneros. Indicação literária
Neste trabalho, o professor:
• Oferece às crianças espaço de troca de experiências e preferências. • Seleciona um material de leitura de significativo valor estético. • Propõe a produção de texto com propósitos comunicativos claros.
Diário da professora Carlene Fernandes Lima - Após a leitura de um livro que as crianças adoraram, pedi que elas me ditassem um texto de indicação literária, que anotei no quadro-negro. Na hora da revisão, elas foram percebendo expressões repetidas no texto e frases que precisavam ser alteradas, sugerindo como melhorar a narrativa. Fotos Marcos Rosa
Uma atividade de ditado para o professor que não deve ficar fora do planejamento das aulas diz respeito à produção de textos de indicação literária, nos quais as crianças expõem sua opinião e aprendem a reconhecer e expressar preferências como leitoras. Elas ditam seu parecer sobre o material e os motivos para recomendar essa leitura. “É um comportamento usual entre as pessoas indicar os livros de que gostam mais. Ao fazer isso, a criança desenvolve critérios para a formação das preferências”, ressalta Silvana Augusto (leia o projeto didático). A produção precisa ter um destinatário real. Na EE Nelson Fernandes, em São Paulo, as indicações literárias fazem parte do planejamento de toda a escola. Semanalmente, as crianças escolhem uma das leituras realizadas para que seja produzida uma recomendação, que será encaminhada a outras turmas. No começo do ano, os alunos da 1ª série contam com a ajuda do professor para escrever o texto. Foi o que aconteceu com a sala da alfabetizadora Carlene Fernandes Lima após a leitura de A Fantástica Fábrica de Chocolate, do escritor galês Roald Dahl. Por ser um livro grande, a professora passou mais de uma semana lendo diariamente um ou dois capítulos de cada vez. Terminada a leitura, Carlene abriu a conversa, estimulando a turma a expor suas ideias. O debate foi acalorado, as crianças se identificaram com o personagem principal, o menino Charlie, e partiu delas mesmas a iniciativa de escrever uma recomendação para a 1ª série C, prática que elas já estavam acostumadas a realizar. – Como vamos começar esse texto? – perguntou a professora. – A gente tem de contar um pouco da história para que eles também tenham vontade de ler – disse um aluno. Todos, então, passaram a ditar uma descrição do enredo, muitas vezes utilizando expressões que tinham visto no livro. A cada nova passagem, Carlene relia o que estava escrito. “O papel do professor aqui é fundamental, pois, ao escrever no quadro-negro, ele explicita aos estudantes os comportamentos próprios de quem escreve”, ressalta Silvana. Ele deve chamar a atenção sobre a estrutura, negociar significados e propor a substituição de palavras repetidas. Expressões como “e”, “aí” e “daí” (marcas da oralidade) precisam ser trocadas por outras mais adequadas à linguagem escrita e que marquem a temporalidade e a causalidade, como “de repente”. Por fim, os pequenos ditaram os motivos que os levaram a escrever aquela recomendação e utilizaram expressões que estavam nos modelos de indicação literária que Carlene havia mostrado. – Vamos colocar que esta é uma história encantadora e envolvente, que não deixa a gente perder a atenção – ditou uma das crianças. Reescrita de história Neste trabalho, o professor: • Aborda questões relacionadas ao gênero e às características da linguagem escrita. • Desenvolve o comportamento leitor: planejar, textualizar e revisar. • Permite aos alunos que se sintam escritores e produtores de texto antes de saber grafá-lo.
Diário da professora Rozangela Barbosa Cardoso - Depois de lermos na sala de aula vários livros com bruxas como personagens, os alunos produziram uma versão própria. Num segundo momento, pedi que eles retomassem a história, pois uma parte tinha ficado confusa. Para melhorar o texto, eles encontraram respostas nos livros lidos, em que viram como os autores resolvem problemas semelhantes. Fotos Ivan Amorim
As atividades de reescrita de textos diversos favorecem a apropriação das características da linguagem escrita, dos gêneros, das convenções e das formas. Planejadas com o objetivo de eliminar algumas dificuldades inerentes à produção de textos, consistem em recriar algo com base no que já existe. “A reescrita não equivale a uma cópia porque a criança fará uma versão pessoal do texto fonte”, explica Silva Augusto. No livro Aprender a Ler e Escrever, a pesquisadora argentina Ana Teberosky afirma que a orientação que se dá para a utilização do texto-modelo pressupõe que aprender a escrever é, sobretudo, aprender a reescrever. Antes de propor essa atividade, o professor deve realizar situações de leitura de diferentes textos de um mesmo gênero para a ampliação do repertório linguístico dos alunos e a apropriação de suas características. Foi o que fez Rozangela Barbosa Cardoso, da EM Sebastião de Mattos, em Umuarama, a 580 quilômetros de Curitiba. Professora da 2ª série, no início do ano ela se deparou com uma situação comum nas escolas brasileiras: menos de um terço de seus alunos estava no nível alfabético. Rozangela desenvolveu um projeto de reescrita de histórias de bruxas. Em um primeiro momento, ela explicou que eles produziriam coletivamente um conto sobre bruxas e iniciou a leitura de diversos livros que tinham essa personagem. A cada conto finalizado, uma roda de conversa sobre o texto era realizada. Depois a professora pediu que eles destacassem oralmente o que caracteriza uma história de bruxa. Ela escreveu no quadro-negro uma lista intitulada “Nas histórias de bruxas tem...” para que os alunos pudessem consultar as características que haviam encontrado. O próximo passo foi começar a produzir o texto. – Começa por “era uma vez”, professora – disse um dos alunos. – Mas será que a gente não consegue encontrar outro começo? Esse não é muito comum? Nas histórias que lemos, como os autores fizeram? – indagou a professora. – Eles usam outras palavras. Que tal “um certo dia”? – propôs outra criança. Esse tipo de intervenção da professora é de grande valia nas situações de produção. É importante ajudar a turma a perceber como se trabalha um texto, que tipo de reflexão deve ser feita na hora de escolher a forma e a sequência dos fatos e destacar as questões de estilo e de efeito que deve provocar no leitor (leia o projeto didático). Os estudantes continuaram ditando a história até que a primeira versão fosse finalizada. No dia seguinte, a professora retomou a produção, relendo, grifando passagens e propondo que juntos tentassem melhorar o texto. Terminada a segunda versão, Rozangela digitou no computador a história e, em outra aula, entregou uma cópia para cada um deles, pedindo que revisassem e tentassem encontrar partes que ainda precisavam ser trabalhadas. “As crianças perceberam que precisávamos melhorar a coerência da narrativa para que o leitor não tivesse dúvidas. Sugeri que eles procurassem nos livros como os autores resolvem esses problemas. Depois da pesquisa, eles pediram, então, para alterar algumas expressões e acrescentar novas frases para que a história ficasse mais redonda.” Texto informativo Neste trabalho, o professor: • Propõe a pesquisa e a busca de informações. • Explora as características do texto de caráter científico e informativo. • Amplia o universo de conhecimento e informação do aluno acerca de um tema específico.
Diário da professora Anna Lúcia Schneider - Pedi que os estudantes pesquisassem nos livros informações sobre os polos norte e sul para saber como vivem ali as pessoas e os animais. Eles trabalharam em duplas e um deles ficou com a tarefa de escrever o que ambos julgaram importante. Com os dados coletados na pesquisa e a leitura feita por mim, eles produziram um texto informativo sobre avida de um bicho. Fotos Marcos Rosa
É muito importante que desde cedo os alunos tenham contato com uma boa variedade de textos informativos e de caráter científico, pois eles permitem o acesso a informações diversas e contribuem para o aprendizado dos procedimentos de pesquisa e de estudo. Saber extrair informações de textos e aprender com eles é uma condição para se tornar estudante. A atividade de produção do texto oral com destino escrito no gênero informativo é fundamental na alfabetização inicial, seguindo as pesquisas mais consistentes na área. “Ao participar desse tipo de situação de escrita, utilizando a linguagem, a organização e as expressões características, o estudante passa a se familiarizar com as maneiras de buscar e apresentar informações”, explica Silvana Augusto. Além disso, ele tem mais uma oportunidade de analisar e refletir sobre o sistema de escrita e ainda entra em contato com informações variadas, explicações e curiosidades (leia o projeto didático). Na Escola Alecrim, em São Paulo, a professora Anna Lúcia Schneider propôs um projeto sobre os polos norte e sul. Primeiro, ela explicou que o produto final da atividade seria um livro ilustrado e que cada um receberia uma cópia. Depois, tentou descobrir o que o grupo conhecia sobre o tema. Ela levou livros com informações sobre as regiões e os animais e pessoas que vivem nelas. Em seguida, formou duplas e pediu que cada uma pesquisasse sobre um aspecto dos polos (animais, clima etc.). Ela circulava pela sala para ver se alguém precisava de ajuda. Todos eram estimulados a trocar informações e a mostrar para os colegas o que haviam descoberto. O passo seguinte foi a escrita coletiva. A cada texto finalizado, Anna Lúcia propunha uma discussão. As informações estão de acordo com o que lemos? Será que o leitor vai entender o que queremos dizer? Eles consultavam os livros para checar se estava tudo certo e se havia uma maneira melhor de construir o texto. O trabalho com produção escrita deve ser uma prática continuada, na qual se reproduz o contexto cotidiano em que escrever tem sentido. É percebendo a função social da linguagem escrita, as características do comportamento escritor e a importância de trabalhar o texto que a criança vai avançar na compreensão da linguagem que usamos para escrever.



Escrever de verdade


Para produzir textos de qualidade, seus alunos têm de saber o que querem dizer, para quem escrevem e qual é o gênero que melhor exprime essas ideias. A chave é ler muito e revisar continuamente
Thais Gurgel (novaescola@atleitor.com.br)
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Colaborou Tadeu Breda
TEXTOS DE QUALIDADE Editorial, biografia, fábula e conto. Para redigir textos com significado, alunos de São Paulo, do Recife e do Rio de Janeiro leram o gênero estudado e aprenderam a planejar o que vão produzir e a revisar o material antes que ele possa circular entre colegas e familiares. Foto: Marcos Rosa
Narração, descrição e dissertação. Por muito tempo, esses três tipos de texto reinaram absolutos nas propostas de escrita. Consenso entre professores, essa maneira de ensinar a escrever foi uma das principais responsáveis pela falta de proficiência entre nossos estudantes. O trabalho baseado nas famosas composições e redações escolares tem uma fragilidade essencial: ele não garante o conhecimento necessário para produzir os textos que os alunos terão de escrever ao longo da vida. “Nessa antiga abordagem, ninguém aprendia a considerar quem seriam os leitores. Por isso, não havia a ref lexão sobre a melhor estratégia para colocar uma ideia no papel”, resume Telma Ferraz Leal, da Universidade Federal de Pernambuco.
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Para aproximar a produção escrita das necessidades enfrentadas no dia-a-dia, o caminho atual é enfocar o desenvolvimento dos comportamentos leitores e escritores. Ou seja: levar a criança a participar de forma eficiente de atividades da vida social que envolvam ler e escrever. Noticiar um fato num jornal, ensinar os passos para fazer uma sobremesa ou argumentar para conseguir que um problema seja resolvido por um órgão público: cada uma dessas ações envolve um tipo de texto com uma finalidade, um suporte e um meio de veiculação específicos. Conhecer esses aspectos é condição mínima para decidir, enfim, o que escrever e de que forma fazer isso. Fica evidente que não são apenas as questões gramaticais ou notacionais (a ortografia, por exemplo) que ocupam o centro das atenções na construção da escrita, mas a maneira de elaborar o discurso (leia o quadro abaixo).
Expectativas de aprendizagem
No que se refere à escrita, é importante que, no fim do 5º ano, o aluno saiba: • Re-escrever e/ou produzir textos de autoria utilizando procedimentos de escritor: planejar o que vai escrever considerando a intencionalidade, o interlocutor, o portador e as características do gênero; fazer rascunhos; reler o que está escrevendo, tanto para controlar a progressão temática como para melhorar outros aspectos – discursivos ou notacionais – do texto. • Revisar escritas (próprias e de outros), em parceria com os colegas, assumindo o ponto de vista do leitor com intenção de evitar repetições desnecessárias (por meio de substituição ou uso de recursos da pontuação); evitar ambiguidades, articular partes do texto, garantir a concordância verbal e a nominal. • Revisar textos (próprios e de outros) do ponto de vista ortográfico. Ao concluir o 9º ano, o estudante precisa estar apto também a: • Compreender e produzir uma variedade de textos, tendo em conta os padrões que os organizam e seus contextos de produção e recepção. • Utilizar todos os conhecimentos gramaticais, normativos e ortográficos em função da otimização de suas práticas sociais de linguagem. • Exercer sobre suas produções e interpretações uma tarefa de monitoramento e controle constantes. • Interpretar e produzir textos para responder às demandas da vida social enquanto cidadão.Fonte: Secretaria de Estado de Educação de São Paulo e Diseño Curricular de la Educación Secundaria da Província de Buenos Aires, Argentina
Há outro ponto fundamental nessa transformação das atividades de produção de texto: quem vai ler. E, nesse caso, você não conta. “Entregar um texto para o professor é cumprir tarefa”, argumenta Fernanda Liberali, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Escrever não é fácil. Para que o aluno fique estimulado com a proposta, é preciso que veja sentido nisso.” O objetivo é fazer com que um leitor ausente no momento da produção compreenda o que se quis comunicar – e esse desafio requer diferentes aprendizagens.O primeiro passo é conhecer os diversos gêneros. Mas é preciso atenção: isso não significa que os recursos discursivos, textuais e linguísticos dos contos de fadas e da reportagem, por exemplo, sejam conteúdos a apresentar aos alunos sem que eles os tenham identificado pela leitura, como ressalta Delia Lerner no livro Ler e Escrever na Escola. Um primeiro risco é o de cair na tentação de transmitir verbalmente as diferentes estruturas textuais. De acordo com a pesquisadora em didática, cabe a todo professor permitir que as crianças adquiram os comportamentos do leitor e do escritor pela participação em situações práticas e não “por meras verbalizações”.Ensinar a produzir textos nessa perspectiva prevê abordar três aspectos principais: a construção das condições didáticas, a revisão e a criação de um percurso de autoria, como se pode ver a seguir.Os textos redigidos em classe precisam de um destinatário“Escreva um texto sobre a primavera.” Quem se depara com uma proposta como essa imediatamente deveria se fazer algumas perguntas. Para quê? Que tipo de escrita será essa? Quem vai lê-la? Certas informações precisam estar claras para que se saiba por onde começar um texto e se possa avaliar se ele condiz com o que foi pedido. Nas pesquisas didáticas de práticas de linguagem, essas delimitações denominam-se condições didáticas de produção textual. No que se refere ao exemplo citado, fica difícil responder às perguntas, já que esse tipo de redação não existe fora da escola, ou seja, não faz parte de nenhum gênero.De acordo com Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, o trabalho com um gênero em sala de aula é o resultado de uma decisão didática que visa proporcionar ao aluno conhecê-lo melhor, apreciá-lo ou compreendê-lo para que ele se torne capaz de produzi-lo na escola ou fora dela. No artigo Os Gêneros Escolares – Das Práticas de Linguagem aos Objetos de Ensino, os pesquisadores suíços citam ainda como objetivo desse trabalho desenvolver capacidades transferíveis para outros gêneros.Para que a criança possa encontrar soluções para sua produção, ela precisa ter um amplo repertório de leituras. Essa possibilidade foi dada à turma de 9º ano da professora Maria Teresa Tedesco, do Centro de Educação e Humanidades Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira – conhecido como Colégio de Aplicação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Procurando desenvolver a leitura crítica de textos jornalísticos e o conhecimento das estruturas argumentativas na produção textual, ela propôs uma atividade permanente: a cada semana, um grupo elegia uma notícia e expunha à turma a forma como ela tinha sido tratada nos jornais. Depois, seguia-se um debate sobre o tema ou a maneira como as reportagens tinham sido veiculadas.Paralelamente, os estudantes tiveram contato com textos de finalidades comunicativas diversas no jornal, como cartas de leitores, editoriais, artigos opinativos e horóscopo. “O objetivo era que eles analisassem os materiais, ref letissem sobre os propósitos de cada um e adquirissem um repertório discursivo e linguístico”, conta Maria Teresa, que lançou um desafio: produzir um jornal mural.Na hora de iniciar uma produção escrita, todo estudante precisa saber o quê, para quê e para quem vai escrever. Só então se define a forma do texto, que precisa ser entendido pelo leitor A proposta era trabalhar com textos opinativos, como os editoriais. Para que a escrita ganhasse sentido, ela avisou que o jornal seria afixado no corredor e que toda a comunidade escolar teria acesso a ele. Os assuntos escolhidos tratavam das principais notícias do momento, como o surto de dengue no Rio de Janeiro e a discussão sobre a maioridade penal. Com as características do gênero já discutidas e frescas na memória, todos passaram à produção individual.A primeira versão foi lida pela professora. “Sempre havia observações a fazer, mas eu deixava que os próprios meninos ajudassem a identificar as fragilidades”, diz Maria Teresa. Divididos em pequenos grupos, os alunos revisaram a produção de um colega, escrevendo um bilhete para o autor com sugestões e avaliando se ela estava adequada para publicação. Eram comuns comentários como “argumento fraco”, “pouco claro” e “falta conclusão”, demonstrando o repertório adquirido com a leitura dos modelos.“Envolver estudantes de 6º a 9º ano na produção textual é um grande desafio”, ressalta Roxane Rojo, da Universidade Estadual de Campinas. “Muitas vezes, eles tiveram de produzir textos sem função comunicativa durante a escolaridade inicial e, por acreditarem que escrever é uma chatice, são mais resistentes.” Atenta, Maria Teresa soube driblar esse problema. Percebendo que a turma andava inquieta com a proibição por parte da direção do uso de short entre as meninas, a professora fez disso tema de um editorial do jornal mural – a produção foi uma das melhores propostas do projeto.“Para que alguém se coloque na posição de escritor, é preciso que sua produção tenha circulação garantida e leitores de verdade”, diz Roxane. E todos saberiam a opinião do aluno sobre a questão, inclusive a diretoria. “Só assim ele assume responsabilidade pela comunicação de seu pensamento e se coloca na posição do leitor, antecipando como ele vai interpretá- lo.” A argumentação da garotada foi tão bem estruturada que a diretoria resolveu voltar atrás e liberar mais uma vez o uso da roupa entre as garotas.A criação de condições didáticas nas propostas para as turmas de 1º a 5º ano segue os mesmos preceitos utilizados pela professora Maria Teresa. “Em qualquer série, como na vida, produzir um texto é resolver um problema”, ensina Telma Ferraz Leal. “Mas para isso é preciso compreender quais são os elementos principais desse problema.”Revisão vai além da ortografia e foca os propósitos do texto Produzir textos é um processo que envolve diferentes etapas: planejar, escrever, revisar e re-escrever. Esses comportamentos escritores são os conteúdos fundamentais da produção escrita. A revisão não consiste em corrigir apenas erros ortográficos e gramaticais, como se fazia antes, mas cuidar para que o texto cumpra sua finalidade comunicativa. “Deve-se olhar para a produção dos estudantes e identificar o que provoca estranhamento no leitor dentro dos usos sociais que ela terá”, explica Fernanda Liberali.
Com a ajuda do professor, as turmas aprendem a analisar se ideias e recursos utilizados foram eficazes e de que forma o material pode ser melhorado. A sala de 3º ano de Ana Clara Bin, na Escola da Vila, em São Paulo, avançou muito com um trabalho sistemático de revisão. Por um semestre, todos se dedicaram a um projeto sobre a história das famílias, que culminou na publicação de um livro, distribuído também para os pais. Dentro desse contexto, Ana Clara propôs a leitura de contos em que escritores narram histórias da própria infância.
Os estudantes se envolveram na reescrita de um dos contos, narrado em primeira pessoa. Eles tiveram de re-escrevê- lo na perspectiva de um observador – ou seja, em terceira pessoa. A segunda missão foi ainda mais desafiadora: contar uma história da infância dos pais. Para isso, cada um entrevistou familiares, anotou as informações colhidas em forma de tópicos e colocou tudo no papel.
Ana Clara leu os trabalhos e elegeu alguns pontos para discutir. “O mais comum era encontrar só o relato de um fato”, diz. “Recorremos, então, aos contos lidos para saber que informações e detalhes tornavam a história interessante e como organizá-los para dar emoção.” Cada um releu seu conto, realizou outra entrevista com o parente-personagem e produziu uma segunda versão.
Tiveram início aí diferentes formas de revisão – análise coletiva de uma produção no quadro-negro, revisão individual com base em discussões com o grupo e revisões em duplas – realizadas dias depois para que houvesse distanciamento em relação ao trabalho. A primeira proposta foi a “revisão de ouvido”. Para realizá-la, Ana Clara leu em voz alta um dos contos para a turma, que identificou a omissão de palavras e informações. A professora selecionou alguns aspectos a enfocar na revisão: ortografia, gramática e pontuação. “Não é possível abordar de uma só vez todos os problemas que surgem”, completa Telma.
O objetivo do aluno ao fazer a revisão de texto é conseguir que ele comunique bem suas ideias e se ajuste ao gênero. Isso tem de ser feito tanto durante a produção como ao fim dela
Quando a classe de Ana Clara se dividiu em duplas, um de seus propósitos era que uns dessem sugestões aos outros. A pesquisadora argentina em didática Mirta Castedo é defensora desse tipo de proposta. Para ela, as situações de revisão em grupo desenvolvem a ref lexão sobre o que foi produzido por meio justamente da troca de opiniões e críticas. “Revisar o que os colegas fazem é interessante, pois o aluno se coloca no lugar de leitor”, emenda Telma. “Quando volta para a própria produção e faz a revisão, a criança tem mais condições de criar distanciamento dela e enxergar fragilidades.”Um escritor proficiente, no entanto, não faz a revisão só no fim do trabalho. Durante a escrita, é comum reler o trecho já produzido e verificar se ele está adequado aos objetivos e às ideias que tinha intenção de comunicar – só então planeja- se a continuação. E isso é feito por todo escritor profissional.A revisão em processo e a final são passos fundamentais para conseguir de fato uma boa escrita. Nesse sentido, a maneira como você escreve e revisa no quadro-negro, por exemplo, pode colaborar para que a criança o tome como modelo e se familiarize com o procedimento. Sobre o assunto, Mirta Castedo escreve em sua tese de doutorado: “Os bons escritores adultos (...) são pessoas que pensam sobre o que vão escrever, colocam em palavras e voltam sobre o já produzido para julgar sua adequação. Mas, acima de tudo, não realizam as três ações (planejar, escrever e revisar) de maneira sucessiva: vão e voltam de umas a outras, desenvolvendo um complexo processo de transformação de seus conhecimentos em um texto”.
Ser autor exige pensar no enredo e na estrutura
O terceiro aspecto fundamental no trabalho de produção textual é garantir que a criança ganhe condições de pensar no todo. Do enredo à forma de estruturar os elementos no papel: é preciso aprender a dar conta de tudo para atingir o leitor. Esse processo denomina-se construção de um percurso de autoria e se adquire com tempo, prática e reflexão.
Os estudos em didática das práticas de linguagem fizeram cair por terra o pensamento de que a redação com tema livre estimula a criatividade. Hoje sabe-se que depois da alfabetização há ainda uma longa lista de aprendizagens. Foi considerando a complexidade desse processo que Edileuza Gomes dos Santos, professora da EM de Santo Amaro, no Recife, desenvolveu um projeto de produção de fábulas com a 3ª série.
Ela deu início ao trabalho investindo na ampliação do repertório dentro desse gênero literário. Só assim foi possível observar regularidades na estrutura discursiva e linguística, como o fato de que os animais são os protagonistas. “Escolhi esse gênero porque ele tem começo, meio e fim bem marcados, algo que eu queria desenvolver na produção da garotada.”
Para que o jovem seja capaz de elaborar um texto com as próprias ideias e dentro das características de um gênero, é preciso que desenvolva um percurso de autoria
A primeira proposta foi o reconto oral de uma fábula conhecida. “Isso envolve organizar ideias e pode ser uma forma de planejar a escrita”, endossa Patricia Corsino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Quando já dominamos todas as informações de uma narrativa, podemos focar apenas na forma de expor os elementos – mas esse é um grande desafio no início da escolaridade.
Na turma de Edileuza, as propostas seguintes foram a re-escrita individual e a produção de versões de fábulas conhecidas com modificações dos personagens ou do cenário. Aos poucos, todos ganharam condições de inventar situações. A professora percebeu que a turma não entendia bem o sentido da moral da história. Pediu, então, uma pesquisa sobre provérbios e seu uso cotidiano.
Com essa compreensão e um repertório de ditados populares, Edileuza sugeriu a criação de uma fábula individual. Ela discutiu com o grupo que elas geralmente têm como protagonistas inimigos tradicionais (cão e gato ou gato e rato, por exemplo). Estava colocada a primeira restrição para a produção. Em seguida, a classe relembrou alguns provérbios que poderiam ser escolhidos como moral nas histórias criadas.Desde o início, todos sabiam que as produções seriam lidas por estudantes de outra escola, o que serviu de estímulo para bolar tramas envolventes. “Há uma diferença entre escrever textos com autonomia – obedecendo à estrutura do gênero, sem problemas ortográficos ou de coerência – e se tornar autor”, diz Patrícia Corsino. “No primeiro caso, basta aprender as características do gênero e conhecer o enredo, por exemplo. No segundo, é preciso desenvolver ideias.” Para chegar lá, a interação com professores e colegas e o acesso a um repertório literário são fundamentais.Do 6º ao 9º ano, o processo de construção da autoria pode exigir desafios que sejam cada vez mais complexos: a elaboração de tensões na narrativa ou a participação em debates para desenvolver a argumentação, como fez a professora Maria Teresa, do Rio de Janeiro. “A re-escrita, primeiro passo para a construção da autoria, pode vir com propostas de produção de paródias, no caso dos maiores, que exigem mais elaboração por parte das turmas”, diz Roxane Rojo. Uma boa forma de fazer circular textos nessa fase são os meios digitais, como blogs e a própria página do colégio na internet. Os jovens podem se responsabilizar por todas as etapas de produção, inclusive pela publicação, o que os estimula a aprimorar a escrita. Levar os estudantes a se expressar cada vez melhor, afinal, deve ser o objetivo de todo professor.

O que cada um sabe

Analisar detalhadamente a forma como os alunos escrevem é a primeira providência para determinar os pontos que devem ser ensinados
Anderson Moço (novaescola@atleitor.com.br)
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Os problemas mais comuns - e as propostas para resolvê-los. Clique para ampliar
Como foi publicado na edição de janeiro/fevereiro de NOVA ESCOLA, ao longo deste ano vamos dar atenção especial aos conteúdos ligados à produção de texto. Na edição passada, esmiuçamos os preceitos teóricos do tema em nossa reportagem de capa. Agora, época em que o ano letivo engata de vez, discutimos uma prática importantíssima para dar o pontapé inicial ao trabalho: as atividades de diagnóstico. Sobretudo do 3º ao 5º ano do Ensino Fundamental, a prática é indispensável porque as turmas costumam ser bastante heterogêneas: enquanto alguns estudantes demonstram mais familiaridade com os conteúdos gramaticais e a organização textual, outros, recém-alfabéticos, enfrentam dificuldades básicas em questões de ortografia. É claro que nada disso é problema: erros desse tipo são parte do processo de apropriação da linguagem. Mas às vezes as dificuldades são tão alarmantes e variadas que fica a sensação de que não há nem por onde começar...
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Plano de aula
Diagnóstico inicial
A sondagem inicial serve justamente para mostrar - com o perdão do surrado ditado - que o diabo não é tão feio quanto se pinta. "Nos diagnósticos bem feitos, o objetivo não é contabilizar os erros um a um, porém agrupar problemas semelhantes para direcionar o planejamento de atividades capazes de corrigi-los", explica Cláudio Bazzoni, assessor de Língua Portuguesa da prefeitura de São Paulo e selecionador do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10. Em outras palavras, entender as principais dificuldades da turma é fundamental para saber o que é mais importante ensinar. E isso deve ser feito também com as crianças que têm deficiência (leia mais no quadro abaixo).
Inclusão - Deficiência física
Para realizar a sondagem inicial da produção de texto em alunos com deficiência física nos membros superiores, é preciso encontrar alternativas para que as crianças possam escrever. A avaliação deve levar em conta o grau de deficiência - o importante é valorizar o que o estudante faz dentro das suas possibilidades. Para os que conseguem escrever com uma adaptação para o uso do lápis, é possível que os traçados sejam disformes e distantes da representação formal das letras e palavras. Nessa situação, o melhor é não se prender às diferenças de forma - ao contrário, procure se focar no conteúdo, analisando o que o texto revela em termos de compreensão do assunto abordado. Já para aqueles que necessitam da ajuda de um colega para escrever, o ideal é observar a interação entre o aluno com deficiência e o colega, em especial a maneira como ele dita e revisa o que está escrevendo. Em todos os casos, a avaliação nas atividades de produção coletiva se torna ainda mais importante. Nas aulas de revisão, por exemplo, você pode pedir que as crianças com deficiência exponham suas ideias sobre a construção do texto e registrar as falas como uma referência na avaliação.
Uma lista para mapear as dificuldades da turma Antes de começar a atividade, é preciso montar uma lista com os itens que serão analisados. Não podem faltar aspectos relacionados aos padrões de escrita e às características do texto. Do 3º ao 5º ano, o foco deve recair sobre a ortografia e a pontuação e é essencial verificar se a turma conhece e respeita os traços do gênero escolhido (veja na imagem acima um exemplo de diagnóstico com base em alguns dos erros mais comuns nessa fase). Em seguida, você já pode pedir que os alunos escrevam. Não há segredo: como em qualquer proposta de produção escrita, os alunos precisam saber para que vão escrever (ou seja, a intenção comunicativa deve estar bem definida), o que vão escrever (o gênero selecionado) e quem vai ler o material (o destinatário do texto). "Também é importante explicar que essas produções servem para mostrar ao professor como ajudá-los a ser escritores cada vez mais competentes", afirma Soraya Freire de Oliveira, professora da EE Carvalho Leal, em Manaus. Em sua classe de 5º ano, ela propôs que a garotada produzisse uma autobiografia, gênero que vinha sendo trabalhado desde o ano anterior - uma opção válida, já que os estudantes tinham familiaridade com o tipo de texto. Contudo, os especialistas apontam que pode ser ainda mais produtivo sugerir que os alunos recriem, com suas próprias palavras, histórias conhecidas, como uma fábula (leia mais no plano de aula). "Assim, você pode se concentrar nos aspectos que têm de ser melhorados para aproximar o texto que os alunos fazem daquilo que é considerado bem escrito", afirma Cláudio. Com as produções em mãos, Soraya, a professora de Manaus, partiu para a análise, anotando na lista de aspectos sondados quantas vezes cada tipo de erro se repetia nas produções. No fim, descobriu que muitas crianças não utilizavam sinais de pontuação. "Percebi que esse deveria ser o conteúdo prioritário naquele início de ano", ressalta. Do 3º ao 5º ano, a ortografia é um dos problemas comuns O resultado do diagnóstico de Soraya é bastante comum: ortografia e pontuação costumam ser os pontos mais críticos para as crianças dessa faixa etária. "Muitos alunos escrevem do jeito que falam e até inventam palavras", conta Cláudio. Mesmo assim, dizer que a turma tem problemas com "ortografia e pontuação" é vago demais. Quais problemas, especificamente? Faltam vírgulas? Muitos trocam letras? Poucos sabem dividir os parágrafos? Mais uma vez, a sondagem pode ajudar: se os itens analisados forem bem determinados, você saberá com bastante precisão que pontos atacar. É importante lembrar, ainda, que cada conteúdo deve ser abordado por meio de novas propostas de textos, sempre com etapas de revisão. Refletir sobre os aspectos notacionais (relativos às regras de uso da língua) e discursivos (relativos ao contexto de produção) é o jeito mais eficaz de levar os alunos a aprender os padrões de escrita e a superar os problemas que enfrentam ao escrever.

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